domingo, 15 de setembro de 2013


ARTE A CÉU ABERTO
Entre as alamedas floridas do Chaumont-sur-Loire, no Vale do Loire, ambientes contemporâneos podem ser apreciados durante o Festival Internacional de Jardins, que, assim como os demais eventos paisagísticos da França, valoriza essa atividade milenar e destaca a importância das plantase flores para o equilíbrio do planeta

MARILANE BORGES


 
Parte essencial da decoração dos chateaux franceses, os jardins revelam em formas e cores a introdução do paisagismo no país. Inspiradas, a princípio, no estilo renascentista da Itália, as obras são resultado da mistura de amplas alamedas e padrões geométricos, terraços e cercas vivas, estátuas e tanques, sendo André Le Nôtre - o maior paisagista da França - responsável pelo desenvolvimento de projetos importantes, como o do Palácio de Versailles e das Tulherias, na capital francesa. Históricos, os jardins franceses mantiveram, com o passar dos anos, suas características originais. Hoje, basta percorrer apenas alguns castelos da região do Vale do Loire para notar sua presença.
No verão, porém, a paisagem local ganha um ar contemporâneo com a realização do Festival Internacional dos Jardins, em Chaumont-sur-Loire. O objetivo é reforçar a importância da atividade no país e da preservação do meio ambiente. Sob o tema Jardins Corpo e Alma, a mostra, aberta ao público até outubro, é um convite à qualidade de vida, ao considerar que esses locais oferecem tranquilidade e contemplação. Para isso, mais de 15 profissionais de diferentes países e áreas de atuação - como botânicos, jardineiros, paisagistas, fotógrafos, artistas plásticos e até médicos - foram desafiados a desenvolver ambientes que revelam a capacidade terapêutica das flores e das plantas.
Os projetos apresentam características variadas, mas cada um ilustra à sua maneira a relação existente entre o homem e a natureza, na opinião de Michel Pena, paisagista e presidente da Federação Francesa de Paisagismo. "É interessante notar que a concepção de um jardim envolve questões filosóficas. Sendo assim, o processo de criação deve ter sempre um sentido maior do que somente a preocupação estética", acredita.
A constatação é um dos resultados da evolução da mostra de Chaumont-sur-Loire, que esse ano chega à sua 20ª edição, apresentando, em ambientes paisagísticos, conceitos atuais, a exemplo da valorização da biodiversidade. "A preservação ambiental hoje é, sem dúvida, um tema de grande relevância. E o público está atento aos detalhes que vão muito além da simples ornamentação, buscando informações sobre as características, a origem e também sobre o potencial terapêutico das plantas. Esse interesse tem aumentado muito nos últimos anos", observa Chantal Colleu-Dumond, diretora do Domaine de Chaumont-sur-Loire.
Atentos a essa realidade, profissionais do paisagismo contemporâneo inspiram-se em temas ecológicos em suas criações, revelando novas soluções e tendências. Prova disso é o Jardim Planetário, conceito lançado por Gilles Clément, que dissemina a proteção do verde com o uso das melhores frutas, flores e árvores do mundo, visando sensibilizar as pessoas sobre os impactos da globalização no meio ambiente. "Os paisagistas sempre tiveram um perfil ecológico, porém hoje eles pretendem convencer as pessoas sobre a importância da presença dos jardins na sociedade, promovendo o equilíbrio do ecossistema", explica Pena.
Propostas como a de Clément têm conquistado boa receptividade, especialmente, entre colecionadores e amantes de plantas raras. Uma das mais respeitáveis casas de leilão de arte da França, a Artcurial, organiza a cada
 primavera uma venda de árvores raras.Louis Albert de Broglie, conhecido como o Príncipe Jardineiro, é o mestre-de-cerimônias do Castelo da Bourdaisière, que, entre plantas e flores, mantém uma grande reserva de tomates. No local, várias espécies do legume são cultivadas e leiloadas. As Jornadas de Plantas de Courson, por sua vez, promovem o "batismo" de novas espécies. Somente esse ano, 24 tipos já foram catalogados.
"Acredito que as pessoas estão retomando um velho hábit o de valorizar a existência das plantas e dos animais. Talvez seja uma reação natural em face ao rápido progresso, ao avanço da tecnologia e ao desenvolvimento das terapias genéticas. No entanto, contemplar a diversidade e a engenhosidade da natureza é uma maneira interessante de retornar à essência humana", comenta Hélène Faustier, organizadora das Jornadas de Plantas de Courson.
Maestros do verde - Comprovando que os jardins não são apenas áreas de decoração, arquitetos têm ampliado seu interesse no assunto e, juntamente com paisagistas e designers, estudam meios mais eficazes para introduzir as plantas e flores em seus projetos. O argumento nesse caso refere-se, principalmente, à importância da presença verde em locais onde a poluição é predominante. "Mais do que nunca, é necessário pensar globalmente e agir localmente", considera Dominique Gauzin-Müller, arquiteta francesa, ao reforçar que um habitat sustentável gera o equilíbrio entre o homem e o meio ambiente, a tradição e a modernidade. "Essa abordagem ampla, que envolve arquitetura e urbanismo, visa expandir o planejamento regional, essencial para gerar mudanças", completa.
Os projetos arquitetônicos, que contemplam os jardins, contam cada vez mais com a participação dos paisagistas, hoje responsáveis pela criação de tendências em urbanização nas grandes cidades, um fato importante para o lançamento de novos conceitos, na opinião de Michel Pena. "O paisagismo passou por uma série de mudanças nos últimos anos. Antes da guerra, os profissionais eram considerados pintores ou decoradores. Agora eles são os ´maestros do verde´ e buscam desenvolver alternativas para harmonizar, de forma natural e sustentável, a vida em sociedade", avalia.
Apoiado nessa premissa, Pena implantou, em 2006, no Parque Jean-Moulin-Les Gaillands, em Bagnolet, periferia de Paris, um complexo único do gênero. Localizado em um espaço totalmente urbano, o local apresenta uma paisagem única, com visão privilegiada de diferentes pontos da cidade. Para isso, foram construídas passarelas que promovem o contato com a natureza. "O Jean-Moulin-Les Gaillands é um lugar que motiva a reconciliação entre o homem e o meio ambiente", comenta, ao ressaltar que o parque também abriga o Centre Ornithologique d´Île de France (Corif). "Os visitantes são convidados a ouvir o canto dos pássaros, a observar a natureza e a entender os aspectos de seu próprio comportamento", explica.Iniciativas como essa inspiram a concepção de novos conceitos, a exemplo dos jardins verticais, desenvolvidos por Patrick Blanc - pesquisador do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) e um dos precursores desse estilo -, responsável pela criação do muro vegetal do Museu du Quai Branly, em Paris.
Desde 2000, os espaços públicos da França apresentam uma nova tendência em paisagism jardins floridos e coloridos, fato comprovado esse ano no Salão Vegetal de Angers, reservado apenas aos profissionais. Todas as propostas destacavam os enfeites e os aromas. "O meio ambiente foi apresentado de forma colorida, bela, perfumada e nem um pouco discreta", diz Hélène Fustier. Os aromas, aliás, também foram tema das Jornadas de Plantas de Courson. "Isso reforça o quanto as pessoas querem viver na natureza. Hoje notamos que as varandas dos apartamentos e os terraços das cidades são decorados com flores ou hortas domésticas", acrescenta.
A introdução das plantas na decoração das moradias foi abordada esse ano no encontro Jardins, Jardin, realizado no Jardim das Tulherias, em Paris. Arquitetos e designers expuseram sua visão sobre o assunto, por meio da oferta de produtos, serviços e novas tendências em decoração com plantas. Em 2010, os jardins foram transformados em residência, na obra do arquiteto e designer Patrick Nadeau, que desenvolveu um projeto de vilas para uma empresa que constrói HLM (Habitation a Loyer Modéré) na cidade de Reims, utilizando o verde na cobertura dos telhados das casas. Com esse conceito, o Observatório de Tendências do Jardim, presente este ano em Courson, lançou um caderno intitulado Robinson, que propõe a construção de casas nas árvores e a produção de joias ecológicas, feitas com mousse vegetal misturado à prata.
Horta ecológica - Ideia semelhante é a do jardineiro Rodolphe Grosleziat, que descobriu um modo de vida alternativo ideal a partir da experiência com sua horta ecológica. Para Hélène Fustier, essas propostas diferenciadas fazem as pessoas refletirem. "Viver em harmonia com o meio ambiente corresponde a uma das formas do novo luxo, que significa o distanciamento dos produtos de consumo", avalia.
Grandes grifes, por sua vez, reconhecem a importância da valorização do verde, elegendo os jardins como ícones de comunicação. Esse é o caso do grupo LVMH, autor da operação Rendez-vous aux Jardins, da champagne Laurent Perrier, uma das expositoras de Jardins, Jardin, e da catedral das plantas, Chelsea Flower Show, em Londres, que planeja apresentar uma coleção de jardins de Nova York e Tóquio. Em comum, essas ações pretendem conquistar o público por meio do chamado "marketing verde". Os resultados já aparecem em obras como a do paisagista Pascal Gribier, na Côte d´Azur. Em seu projeto, a garagem da casa de um jovem casal foi substituída por um enorme jardim, cujo reservatório de irrigação é abastecido com a água de chuva. "A ideia de criar um jardim em qualquer ambiente é bastante positiva, mas é preciso entender que esses espaços sozinhos não salvarão o planeta", explica Gribier.
 
 

 

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